Centro de Estudo e Pesquisas Clínicas de São Paulo

Prof. Dr. Zan Mustacchi

Será mesmo que dominamos o Genoma?

Com grande impacto, surpresos, ansiosos e, de certa forma, eufóricos recebemos recentemente a seguinte informação: O genoma humano está desvendado!!!…
O que é? Como é? E agora? Será que dominamos realmente o segredo da vida?
Em um infeliz discurso o atual presidente norte-americano citou entre linhas “…dominamos o segredo de Deus!!…”, mal sabe ele (comedor de hamburguer, batata-frita e Coca-Cola) que estamos muito longe da sua insaciável onipotência e intransigência, ele parece que quer ser o ‘Dono do mundo’.
A verdade ainda ninguém domina. E se eventualmente somos ingênuos a ponto de acreditarmos que um dia dominaremos, eu lamento dizer-lhes que nem seus tataranetos viverão este dia! Mesmo considerando o avançar de exponencial progressivo do conhecimento e “domínio” da genética, que muitos afirmam: “Um ano de pesquisas, atualmente, gera informações que ultrapassam a vinte anos anteriores”.
Genoma é a coleção de genes com as instruções para produzir um ser humano. Células são estruturas que contém, em seu núcleo, 46 cromossomos que armazenam as informações que instruem o funcionamento do organismo; Cromossomos são elementos contidos neste núcleo e responsabilizam-se pelo pool de DNA com informações gênicas que são cerca de 100 mil genes, os quais se combinam para formar as características individuais e compõem o genoma humano; O DNA é a matéria-prima dos cromossomos, composta por sequências de 4 substâncias químicas, definidas como bases nitrogenadas A,T,C e G. Quando ocorre uma alteração da sequência lógica destas bases define-se um erro genético, chamado de mutação, e a consequência desta pode resultar numa doença genética.
Estima-se que existam de 3 mil a 4 mil doenças hereditárias. A doença genética ocorre a partir de uma mutação (erro), que pode ser transmitida com a reprodução do gene defeituoso dos pais para os filhos.
Já em meados do século XVII Francis Bacon pensava na ciência como um instrumento por excelência necessário para melhorar a vida da humanidade, garantindo o bem-estar dos indivíduos. Busca-se aí um elo entre o tradicional e o moderno, estando em jogo a ilusão de que a ciência é o remédio para a cura de todos os males que afligem as populações mundiais. É anunciada a possibilidade do fim da miséria humana.
Talvez seja uma mera coincidência, mas “promessas de esperança” em torno do Projeto Genoma Humano previram um futuro harmonioso e sadio para todo o planeta. Esse futuro (presente) talvez tenha começado a ser delineado já no século XVI até parte do XVIII com as frequentes experimentações públicas, nas quais os cientistas produziram uma verdadeira espetacularização da pesquisa em andamento, muitas ocorriam em praças públicas e terminavam por reforçar e legitimar a imagem do “homem de ciência”.
Considerado o verdadeiro iniciador da ciência moderna, Bacon preocupava-se em compreender as causas dos fenômenos naturais. A partir da verificação e da observação, o cientista era visto como capaz de desvendar os mistérios da natureza e da origem do homem que viessem a proporcionar o aprimoramento da espécie humana. Essa busca pela perfeição, não podemos deixar de ressaltar, nos remete à filosofia grega.
No diálogo entre Sócrates e Diotima, descrito por Platão no Banquete, a busca pela perfeição e pelo Belo coloca o homem na perspectiva de alcançar o status de semi-deus. Platão é determinista ao colocar o nascimento como o divisor de água entre a imortalidade, própria dos deuses, e a mortalidade.
A imortalidade e a juventude tem sido ansiosamente desejada, desconsiderando-se todo e qualquer modelo divino que, da forma mais perfeita com a maior da incógnitas, gerou o milagre da vida. Acreditem, somos realmente imortais, pois o ‘egoísmo’ do DNA que nos foi transferido e que transferiremos para as próximas gerações é, na sua grande maioria, imutável e, portanto, uma parte de nós sempre persistirá, enfatizando a nossa imortalidade delegada pela suposta ‘força divina’.
Considerado como uma das maiores realizações da ciência em todos os tempos, o Projeto Genoma Humanoestá próximo de identificar todas as informações genética contidas nos cromossomos humanos. Essas informações chamadas genes, determinam nossa vida desde a concepção. Governam o desenvolvimento do embrião e do feto, as diversas fases de crescimento e maturação de nosso corpo e, finalmente, seu envelhecimento.
O que conseguimos com a decodificação no Projeto Genoma Humano foi conhecer a ampla variedade dos métodos que representam a posição dos genes em cada cromossomo, expresso em pares de bases com genes colocados em uma ordem atualmente bem conhecida; determinando o domínio da sequência linear de nucleotídeos para cada um dos cromossomos humanos. Conseguimos desenvolver métodos de clivagem clínica, de replicação enzimática e de interrupção controlada por uma sequência de DNA. A quebra ou fragmentação do DNA, realizado por uma enzima definida como DNA-polimerase, favoreceu o domínio do enigma da sequência das quatro bases, denominadas de nucleotídeos. Estes nucleotídeos, que constituem o DNA e o RNA, são bases nitrogenadas conhecidas pelas iniciais A.G.C.T.U. (Adenida – Guanina – Citosina –Tinina – Uracila, esta última sendo exclusiva do RNA). Atualmente com o advento de sequenciamento automático e informatizado, usando marcadores específicos de bases nitrogenadas, conseguimos traduzir a inscrição das informações contidas nas moléculas de DNA, portanto podemos “ler” com facilidade a informação contida nos genes, por meio de uma tecnologia conhecida como sequenciamento de DNA. A sequência de “letras” varia de gene para gene. As diferentes sequências (com centenas ou milhares de nucleotídeos) são as “palavras” da informação genética, contidas nos genes. Os genes estão abrigados em nossos cromossomos, que seriam os “livros” dessa biblioteca da vida, existente em cada uma de nossas células, que compõem o genoma de cada cromossomo, conforme parte do modelo, onde determinou-se uma sequência de 108.970 letras ou bases nitrogenadas, que compõem o genoma do cromossomo 21:

O Genoma é o conjunto dessas informações, incluindo uma grande quantidade de DNA que não forma “palavras”: cerca de 3,5 bilhões de nucleotídeos e um total de genes funcionais estimado entre 80 a 150 mil. O conhecimento do genoma humano, que implica decifrar não só a sequência dos genes como o controle de sua expressão (como e onde devem funcionar no organismo), está revolucionando a pesquisa científica, principalmente na prática médica.
As diferenças entre os indivíduos são, em larga medida, determinadas por pequenas variações nos genes. Algumas delas são óbvias, como a cor da pele e do cabelo. Mas diferenças genéticas também influenciam, por exemplo, nossa susceptibilidade ou resistência à determinadas doenças. A informação contida nos genes pode sofrer alterações, espontaneamente ou através de agentes como as radiações, os poluentes, produtos químicos, drogas e etc. Essas alterações – chamadas mutações – podem causar doenças genéticas e, conforme o caso, serem transmitidas através das gerações. Assim, conhecer nossos genes, saber o que cada um deles controla no organismo, entender como eles funcionam, ou silenciam, nas diversas fases de nossa vida, são informações fundamentais para o progresso da medicina.
O emprego do conhecimento sobre sequências gênicas aliado às tecnologias de sequenciamento automatizado de DNA (derivados do Projeto Genoma Humano) constitui um pacote científico e tecnológico conhecido como genética genômica.
As aplicações da genética genômica já são visíveis em diversas especialidades médicas, como na oncologia. O estudo da genética do câncer progride rapidamente, com duas frentes principais: a descoberta de genes que atuam no processo de origem do tumor e das metástases e a identificação de genes que nos tornam susceptíveis ao câncer, por exemplo o gene BCL6 e o gene BRCA2 controladores de leucemia e câncer de mama respectivamente.
O próximo desenvolvimento na área da genética genômica é o estudo da expressão gênica diferencial, isto é: como os genes são “ligados” ou “desligados” num determinado tecido, ou na formação de um órgão, podendo-se correlacionar que o ciclo de vida e a morte celular programada (apoptose) são elementos controlados por genes, que quando comprometidos por alguma mutação, acarretam a interferência no modelo da expressão esperada do ‘ligar’ ou ‘desligar’ o desenvolvimento de um tecido.
No futuro, a terapia será ajustada ao perfil genético do paciente, caso a caso, o que, sem dúvida, mudará as perspectivas da medicina, já na primeira década do século XXI.
A meta final deste sequenciamento molecular, definido como o paradigma do genoma humano, é criar um mapa físico que determine um conhecimento através da representação da posição dos genes em cada cromossomo. Reconhecendo-se, então, uma ordem da colocação destes, poderemos determinar padrões de normalidade e desvio dessa e, até o momento, entendo que este delineamento oferece-nos múltiplas perspectivas próximo-futuras vinculadas primariamente com o que sempre enfatizei: O mais importante é termos possibilidade de diagnósticos prematuros para que possamos elaborar modelos preventivos e oxalá um dia propor uma verdadeira terapêutica de cura.
Referências bibliográficas:
Benedito Mauro Rossi e Mauro Pinho. Livro: Genética e Biologia Molecular para o Cirurgião. Editora Lemar, 1999;
Genoma, Espaço da Saúde, Fascículo de Divulgação da Enfermagem do Hospital Israelita Albert Einstein;
Guga Dorea e Rosemary Segurado. Título: Proposta de artigo para São Paulo em Perspectiva. Agosto, 2000;
Zan Mustacchi e Sergio Peres. Livro: Genética Baseada em Evidências – Síndromes e Heranças. CID Editora, 2000.